Com base no Código Brasileiro de Comunicação, concessão pública pode ser suspensa caso haja crime; PT apresentou representação para que PGR apure notícia
A Rede Globo se tornou na última semana uma das personagens centrais no escândalo de corrupçãoque envolve a FIFA e é atualmente investigado nos Estados Unidos. Delação feita por um empresário argentino dá conta de que, ao lado de outros canais latino-americanos, a emissora teria pago US$ 15 milhões em propinas pelos direitos em transmissão das Copas de 2026 e 2030.
Caso confirmados os crimes, alerta o deputado Wadih Damous, a emissora pode ter sua concessão pública suspensa ou até mesmo cassada, nos termos do Código Brasileiro de Telecomunicação. Tamanho é o alerta gerado pela delação, que o Partido dos Trabalhadores decidiu apresentar à Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, Representação Criminal para que seja apurada oficialmente a notícia.
“Se aplicar tão somente o direito, a Globo pode ter sua concessão cassada”, afirma o parlamentar, lembrando que o Código prevê a suspensão ou mesmo cassação da concessão caso o meio de comunicação cometa crimes e/ou contravenções.
As regras sobre concessões públicas de TV e rádio também constam na Constituição de 1988. A falta de regulamentação, no entanto, faz com que muitas regras sejam infringidas sem as devidas penalidades.
Delator forneceu provas de negociações
O escândalo em que a emissora agora se vê implicada surge do testemunho de uma das principais testemunhas de acusação no julgamento de José Maria Marin, ex-presidente da CBF.
Segundo informações do jornal “Folha de S.Paulo”, o empresário argentino Alejandro Burazco afirmou em depoimento que a TV Globo, ao lado da mexicana Televisa e da empresa de marketing esportivo de que era diretor, a Torneos y Competencias, pagaram juntas US$ 15 milhões em propina ao ex-chefe do futebol argentino, Julio Humberto Grondona.
Burzaco deu detalhes de seu encontro com Marcelo Campos Pinto, responsável na Globo pela compra dos direitos de transmissões. Segundo a reportagem, o dinheiro teria sido depositado num banco suíço e há documentação numa troca de e-mails entre o empresário e o chefe-administrativo de sua empresa, Eladio Rodríguez, sobre o detalhamento dos pagamentos a cartolas brasileiros. O delator também detalhou como criou empresas e contratos falsos para realizar suas operações.
Para Damous, o modo como a investigação ocorre em Nova York poderia ser um parâmetro para as investigações contra a corrupção que ocorrem no Brasil. “Se a investigação seguir em frente aqui no Brasil como está seguindo lá fora, pode ser um grande passo. Pode ser um verdadeiro combate à corrupção”, afirmou.
Isso porque, segundo ele, enquanto no Brasil as delações não têm nenhuma base documental, o relato de Burzaco dá o caminho das pedras para que o Ministério Público possa embasar a investigação com provas, seguindo o rastro do dinheiro.
PT exige investigação profunda das denúncias
Em nota, a Comissão Executiva Nacional do PT questiona o fato de as investigações ocorrerem há pelo menos três anos em países como a França, a Suíça e os Estados Unidos. “É inexplicável para o Brasil que o escândalo da FIFA seja investigado judicialmente nos Estados Unidos, na Suíça, na França e em outros países, há três anos, e tudo o que temos aqui seja uma suposta ‘investigação interna’ em que a Globo tenha apurado em silêncio e absolvido a si mesma”, diz o texto.
Para Wadih, a explicação está no fato de as investigações envolverem um dos maiores grupos de mídia do país. “O monopólio da Globo não deixa isso ser divulgado. Não sei porque a ‘Folha’ resolveu dar publicidade’. É uma notícia de altíssima relevância e só um jornal está divulgando”, diz ele. “Em relação à Globo, há uma blindagem”.
“Jornais da Europa dizem que o ‘epicentro’ do esquema criminoso é o Brasil. Mesmo assim, somos o único país que não investiga os crimes”, protestou o deputado Paulo Pimenta em seu perfil no Twitter. “Sempre defendi que, enquanto o esquema CBF/Globo e o Sistema S no Brasil não forem investigados, a grande corrupção estaria preservada. Por que o dr. Janot e os Golden Boys nunca abriram uma Lava Jato do esquema CBF/Globo? Por que nenhuma investigação avançou no Brasil?”
O senador Lindbergh Farias também registrou nas redes sociais sua indignação com a forma como o assunto é tratado pela imprensa brasileira. “Por que um escândalo desta proporção vai parar na seção de esportes do noticiário? Propina virou modalidade olímpica?”
“Será que a Rede Globo vai considerar a delação que a acusa de corrupção verdadeira, como considerou todas as demais delações verdadeiras até hoje? ”, questionou o deputado Paulo Teixeira.
A nota divulgada pela CEN conclama diretamente o Ministério Público a que não fique inerte diante de fatos que escandalizam a sociedade. Segundo a Comissão Executiva do Partido dos Trabalhadores, a abertura da investigação pode ter efeito pedagógico para toda a mídia brasileira.
“Em primeiro lugar, porque será respeitado o princípio da presunção da inocência, que a Globo sistematicamente atropela ao acusar, julgar e condenar Lula e o PT. Também será adotado certamente o equilíbrio editorial. Os argumentos da defesa e as eventuais provas de inocência da Globo não serão censurados no ‘Jornal Nacional’, diferentemente do que ocorre em relação ao PT, Lula e Dilma, que tiveram até a prisão pedida em editoriais e artigos de sua rede.”
“A Globo aprenderá também que, no devido processo legal, quem acusa tem de provar e ninguém pode ser condenado com base apenas em delações premiadas. E talvez aprenda, finalmente, que deve prestar contas de seus negócios à Justiça e de suas decisões editoriais ao público, pois, mesmo sendo uma empresa privada, opera, comercializa e lucra muito por meio de uma concessão que pertence ao país e não à família Marinho”, prossegue o texto.
Código e Constituição preveem contrapartidas em caso de violações
Os canais de televisão aberta no Brasil são concessões públicas. De acordo com o Código Brasileiro de Telecomunicação, isso envolve algumas contrapartidas e o direito de suspensão pelo governo brasileiro caso haja alguma violação.
Seria esse código que poderia resultar na suspensão da Globo. Mas, segundo André Pasti, membro do conselho-diretor da ONG Intervozes, outros interesses impedem que esses artigos sejam postos em prática. “Há um histórico de permissividade em relação às concessões de rádio e TV do Brasil”, diz ele.
A explicação passa pela composição do Congresso: ao menos 40 parlamentares são detentores de concessões televisivas em seu Estado. Assim, ele identifica negligência na obediência à legislação.
A própria Constituição prevê contrapartidas para esses canais, que são constantemente violadas. “Essas concessões públicas não podem ser objeto de oligopólio, devem respeitar a diversidade regional e apresentar uma programação educativa”, explica Pasti.
Esses artigos, no entanto, nunca foram regulamentados e são totalmente desrespeitados pela Globo e outros canais.
“Também vale ressaltar a hipocrisia dos meios de comunicação por pretensamente estarem numa agenda contra a corrupção na época do golpe e eles mesmos terem praticas de corrupção tão estruturais como essa”, pontua Pasti.
Entenda o caso
Segundo Burzaco, a propina teria sido paga numa conta no banco Julius Baer, na Suíça, ao dirigente Julio Grondona, já falecido, e que foi homem forte do futebol argentino. À época das negociações, Grondona era também dirigente da Fifa e cuidava dos direitos de transmissão na América Latina.
Para que isso ocorresse, a Torneos y Competencias, de Buzarco, teria sido orientada pela Globo a criar uma subsidiária na Holanda, que funciona como paraíso fiscal para multinacionais, para receber a propina, antes de repassá-la a Grondona.
Depois do seu depoimento, rico em detalhes, será possível agora rastrear todo o percurso do dinheiro – da Globo, na Holanda, para a Torneos y Competencias, também na Holanda, e depois para a conta de Grondona, na Suíça.
A Polícia Federal abriu, em 2015, uma investigação sobre os contratos da CBF com a Gobo, detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro há décadas.
Segundo a acusação das autoridades norte-americanas, a Traffic, empresa de marketing esportivo do empresário brasileiro J. Hawilla, pagava como suborno a Marin e a outros dois dirigentes da CBF R$ 2 milhões por ano pelos direitos de transmissão da Copa do Brasil. A Traffic, então, revendia esses direitos para emissoras brasileiras.
Um desses dirigentes era, provavelmente, Ricardo Teixeira. Por décadas, ele coordenou por parte da CBF a aliança com a Globo. No caso específico do Campeonato Brasileiro, que não está sob investigação do FBI pelo que se sabe até aqui, não havia uma empresa intermediária como a Traffic.
Por anos, a CBF organizava a competição e a própria Globo comprava diretamente os direitos de transmissão, junto ao Clube dos 13, entidade que reunia diversos clubes do futebol brasileiro.
Da Redação da Agência PT de Notícia
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